quinta-feira, 3 de março de 2011

Sobre os Mamonas Assassinas

Oi pessoal, tudo bem com vocês? 

Há 15 anos atrás a explosiva Banda "Mamonas Assassinas" deixou muitas crianças, adolescentes e jovens (me incluo neste grupo) "órfãos de ídolos". Críticas a parte, partilho com vocês um material que utilizamos em nossos grupos de base, como apoio, que trabalha algumas canções deles. Vale a pena ao menos ler. Não sei quem é o autor, esse material nos foi passado pela equipe de animação vocacional, ligado a Pastoral Vocacional. Segue:
 
“Os Mamonas Assassinos” 
Ainda está presente em nossas cabeças o modelo irreverente de um grupo musical que contestava todos os costumes do mundo moderno. Trata-se do Mamonas assassinas. Vejamos sua contestação e desejo de mudança. 
Nem acabaram eles de agradecer a “Santos Dumont, que inventou o avião”, 
um acidente aéreo sepulta abruptamente a banda, surgida do anonimato e em vertiginosa ascensão no espaço da música popular brasileira. Quase dois milhões de discos vendidos em tempo relâmpago e a multidão de crianças e jovens chorando o repentino desaparecer dos ídolos testemunham o sucesso e a popularidade. 
A mídia exerceu, sem dúvida, um papel relevante na produção desse fenômeno meteórico. Mas, para além dessa explicação óbvia, quase lugar-comum, 
que sempre responsabiliza os meios de comunicação, em especial a TV, 
pelos acontecimentos massivos de nossos dias, é necessário suscitar uma questão de fundo, mui pouco refletida, que pergunta pelo motivo da enorme aceitação e desse misto de delírio coletivo e rebeldia, que contagiou a massa receptora da música dos Mamonas. 
A pergunta nos leva a indagar sobre o homem, o tempo hodierno e uma possível filosofia do sujeito humano, no limiar do milênio, quiçá escondida e propositadamente abafada sob a frenética aparência dos rapazes de Guarulhos. 
“Eu queria um apartamento no Guarujá. 
Mas o melhor que eu consegui 
foi um barraco no Itaquá. 
Eu sou cagado, veja só como é: 
se dá uma chuva de Xuxa 
no meu colo cai Pelé. 
É como aquele ditado que dizia: 
Pau que nasce torto, mija fora da bacia” 

Utopia, o primeiro nome da banda, foi logo abandonado. Fato casual? 
Utopia era palavra muito acariciada pelo “revolucionários” das décadas de 60-80. Indicava caminhos de libertação, crença em ideais hoje tidos como inatingíveis: 
justiça, bondade, beleza pura. A pós-modernidade instaura uma deconstrução desses temas. Ouçamos, de passagem, uma estrofe de “Cabeça de Bagre II”. 
“A polícia é a justiça de um mundo cão. 
Mês de agosto sempre tem vacinação. 
Na política, o futuro de um país, 
cale a boca e tire o dedo do meu nariz”. 
Valores de um tempo já passado, dito moderno, não atraem mais o homem 
pós-moderno. Elenco alguns, retomando o filósofo Derrida, um dos “inventores” da pós-modernidade: Deus, Ser, Sujeito, Consciência, Estado, Revolução, Família. 
Também as grandes filosofias explicativas do Homem e do Universo caíram de moda. Textos salvacionistas, de libertação numa vida futura ou presente, ecoam no vazio. 
Vagar incerto, sem rumo, verdadeiro “walking in the dark”— andando no escuro — (letra de “Débil Mental”), o cosmo um jogo indefinido: eis a sensação do homem nessa derrocada de valores. Várias letras do CD apontam esse vazio da existência: 
“Subiu a serra me deixou no Boqueirão. 
Arrombou meu coração depois desapareceu. 
Fiquei na merda nas areias do destino”. 
Em vez do planejamento produtivo e distributivo, impera, no sistema vigente, 
a tecnociência dirigida para o consumo em massa, para o lucro sem nenhuma perspectiva social. Estrofes irreverentes e espetaculares denunciam essa doidice: 
“Mas pior de todas é a minha mulher. 
Tudo o que ela olha, a desgraçada quer: 
Televisão, microondas, micro system, 
microscópio, limpa-vidro, limpa-chifre, 
facas ginsu... 
Ambervision, frigi-diet. 
Celular, Master-line, camisinha, 
Camisola e Kamikase. 
Em “Pelados em Santos”, aparece o mesmo tema: 
“Na Brasília amarela com roda gaúcha 
ela não quis entrar. 
Feijão com jabá 
a desgraçada não quer compartilhar”. 

E, ainda, em “Chopis Center”: 
“Quanta gente 
quanta alegria. 
A minha felicidade é um crediário 
nas Casas Bahia”. 

O homem pós-moderno privilegia temas considerados marginais na vela modernidade. O primeiro e mais explosivo, o sexo-prazer-desordem, que corre solto, desenfreado, desvairado. É a “suruba” da música Vira-Vira, na qual a mulher, Maria, sempre sai “arregaçada”, arrebentada, mas o homem, Manoel, sempre pretende dar a volta por cima e levar vantagem: “Oh Maria, essa suruba me excita” Mas declara: “Dei graças a Deus porque ela foi no meu lugar”. De novo, o sexo desenfreado em Robocop Gay: 
“O meu andar é erótico, 
com movimentos atômicos, 
sou amante robótico 
com direito a replay”. 
Mais forte, ainda, em Bois don’t cry: 
“Sou um corno apaixonado. 
Sei que já fui chifrado, 
mas o que vale é tesão”. 
O jogo, a superficialidade, a banalidade, o quotidiano, o pragmatismo do agora, a vida vivida só no instante presente, o flutuar das experiências, sem nenhuma perspectiva de futuro, são marcas fundas do pós-moderno. Os mamonas também vão nessa: “Ser corno ou não ser eis a minha indagação”. 
Ou então em “Uma Arlinda mulher”: 
“Você foi agora a coisa mais importante 
que já me aconteceu neste momento 
em toda a minha vida. 
Um paradoxo do pretérito imperfeito 
complexo com a teoria da relatividade”. 
Que gostosa e infantil banalidade explode em “Sabão crá-crá”, uma das músicas mais cantadas pelas crianças. Até mesmo o pluralismo, a diversidade das formas, a transitoriedade do homem-hoje não escaparam nas letras do CD: “Hoje eu estou tão eufórico, 
com mil pedaços biônicos. Ontem eu era católico, ai, hoje eu sou gay!!! 
Você pode ser gótico 
ser punk ou skinhead 
tem gay que é Muhamed 
tentando camuflar...” 
Loucura e insensatez perfilam a humanidade neste fim de milênio. 
"Cabeça de bagre" retrata com muita ironia essa situação: 
"Loucura, insensatez, 
estado inevitável 
embalagem de iogurte inviolável". 

Conformismo, pessimismo, passividade, ausência de força moral. 
O homem pós-moderno não enxerga nenhum horizonte. Notei tudo isso em quase todas as letras dos Mamonas. O som alegre e ruidoso, os gestos irreverentes, 
escondem uma profunda melancolia, retrato de um mundo sem rumo. 

"Fome, miséria, incompreensão, 
o Brasil é tetra campeão" 

"Os maconheiro tava doidão 
querendo meu feijão" 

"O homem é corno e cruel 
mata a baleia que não chifra e é fiel" 

"Hoje eu tô arrependido de ter feito migração. 
Volto para casa fudido 
com um monte de apelido..." 

Esse pessimismo culmina com uma fantástica definição quase metafísica da mulher, que, em sua essência, aplica-se também ao homem: 

"Pois pra mim você é uma besta mitológica 
com cabelo pixaim parecida com a medusa" 

Esta breve radiografia a brotar de uma despretensiosa análise das letras do estrondoso e supercomercializado CD permite-me concluir que o jeito e a mensagem desses garotos saídos da penumbra para uma rápida apoteose explicam o sucesso muito mais do que a montagem e a especulação da mídia. Eles cantaram e falaram ao coração da infância e da juventude tocando temas que circundam a vida hoje. 
Diria eu até que a mídia, enfatizando apenas o lado irreverente, 
jocoso e frenético da banda (evidentemente por motivos de marketing) acabou assassinando em proposital ostracismo a profunda filosofia presente nas letras dos Mamonas. Elas apresentam, em seus traços essenciais, o homem pós-moderno. 
E, por cúmulo da fatalidade, até o jeito de morrer desses garotos, repentino e inesperado, retrata a figura do sujeito humano neste fim de século: fugidio, transitório, efêmero, como um meteoro fugaz cruzando o céu de um cosmo que ninguém sabe para onde vai.

Beijos, abraços e saudações pejoteiras.

Mari Malheiros
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"Déjeme decirle, a riesgo de parecer ridículo, que el revolucionario verdadero está guiado por grandes sentimientos de amor.." (El Che)

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